Atando as pontas da vida

Minha criação
As lições de sobrevivência vinham diluídas no cotidiano sem a necessidade de palavras. Os valores foram repassados como quem tatua o corpo de alguém. A cultura deu lugar à mensagem de que ela deveria ser buscada, pois a ignorância era conhecida. Poderia ter sido diferente, aqui e ali? Talvez.
A Experiência
Mas a questão não recaía sobre o mérito ou demérito de minha criação e sim na experiência que vivi como filho e de como essa experiência poderia me servir nesse desconhecido papel de pai. Sim, porque a reflexão madura sobre minha criação e como ela me afetou emocionalmente poderia mudar a percepção que tenho como filho , por outro lado, agora mais importante, influenciar na maneira como eu pensaria a formação da minha filha. Portanto, não se tratava de parar de pensar como filho para começar a pensar como pai.
Sai o filho e entra o pai
Tratava-se de atar as duas pontas da vida, em busca de aperfeiçoamento. Tratava-se de encontrar a minha melhor versão para entrega-la à minha filha, assim como meus pais fizeram comigo. Aliás, foi em meio a esse contexto psicológico que resolvi criar uma espécie de "manual de instruções para a vida", dedicado e inspirado na ainda pequena Nathalia.
Um legado
Ocorre que no caminho me deparei com mais uma lição de humanidade: a de que não estou sozinho nessa jornada. Muitos outros pais e mães buscam, incessantemente, suas melhores versões, por amor aos filhos. A conclusão final é a de que a vida é mesmo um aprendizado constante que une a todos nós, pais e filhos. Mas há um detalhe: ainda cabe a nós dar essa notícia a eles. Eu começo aqui e agora. Inspire-se!
Queria ser um Rock Star

Durante toda a minha adolescência e juventude eu fui um roqueiro fanático e um aspirante a guitarrista.
O que eu queria mesmo era ser um rock star. ("Não seria o sonho de muitos? O que influencia a gente?")
Meu quarto e minha guitarra de mentira
Meu quarto era cheio de posters de bandas de rock. AC/DC, Kiss, Iron Maiden e outros podiam ser vistos colados na parede ("É na privacidade do nosso quarto que a gente expressa nossa personalidade."). Era 1985 e eu tinha 13 anos quando peguei umas madeiras velhas e cortei-as em forma de guitarra. Coloquei alguns fios imitando as cordas e um cinto velho como alça. Então eu me trancava no quarto, colocava o disco do Black Sabbath bem alto e balançava a cabeça para lá e para cá fingindo ser um guitarrista.
Minha primeira tatuagem
Com 14 anos eu fiz uma tatuagem no ombro com uma maquininha improvisada de um amigo meu. Era o símbolo do Jimmy Page, guitarrista do Led Zeppelin. Ficou parecendo tatuagem de "presidiário", mas quem conhecia o símbolo sabia que era Rock'n' Roll. Fiz escondido dos meus pais porque eles não me deixariam fazer se eu pedisse "Foi este o limite da minha rebeldia?). A tatuagem era importante pra mim porque mostrava o quanto eu gostava de rock e me deixava com cara de bad boy, o que ajudava a afastar os meninos mais velhos que costumavam bater nos mais novos ("Como lidar com o bulling?").
Meu cabelo era minha identidade
Todo dia olhava no espelho para ver se meu cabelo estava mais comprido. Naquela época, havia poucos roqueiros e quem tivesse cabelo comprido era reconhecido e respeitado. Mas eu enfrentava um problema. Eu já trabalhava com meu pai e ele retinha meu salário até que eu cortasse um pouco o cabelo. Odiava isso ("Deveria ter lutado por essa 'identidade'?").
Minha tribo
Havia uma pequena casa de rock na cidade, onde os rockeiros da região se encontravam nos fins de semana. Eu ia sempre que podia. Eu só usava camisetas com desenhos de bandas de rock que eu mesmo pintava. Cheguei até a vender algumas. Como eu era o mais novinho, todos os rockeiros gostavam de mim. Até os punks da cidade ("Por que a gente precisa pertencer a um grupo?").
O aspirante a guitarrista
Eu já tinha cabelo comprido e tatuagem e ja tinha minha tribo. Mas faltava tocar guitarra para ser um rock star de verdade. Então entrei numa escola de música. Mas não deu certo. Eu não conseguia fazer a posição com os dedos que o professor exigia (a famosa pestana) e achava a aula muito chata. Além disso, tinha muito pouco tempo para me dedicar e então desisti ("Boas coisas levam tempo e exigem paciência.").
O fim da juventude
Aos poucos, o rock foi se tornando popular demais entre os jovens. Todo mundo falava que era rockeiro, mesmo conhecendo só uma música de cada banda. Já não tinha tanta graça pra mim. E para conseguir namorar outras meninas precisava cortar o cabelo, parar de usar as camisas de rock e frequentar lugares mais pop. Era hora de conquistar outro ambiente, e o mundo do rock ficou um pouco para trás. ("O meio influencia nossas decisões e faz a gente repensar.")
A reviravolta com 30 anos
Eu já tinha mais de 30 anos quando percebi que precisava me reinventar profissionalmente. Meu pequeno negócio de venda de vitaminas não ia muito bem e eu não tinha formação profissional. ("Faltou pensar mais na carreira?") Cogitei que o mundo da música e do rock poderia ser uma opção. Talvez montar estúdio musical ou abrir uma lojinha de rock. Ou talvez tentar de novo aprender a tocar um instrumento e virar professor de música.
Escolhi aprender contra baixo ao invés da guitarra porque não exigia a tal da posição "pestana". Desta vez eu tinha que ser mais dedicado. Comprei um instrumento, aprendi a ler um pouco de partitura e entrei numa universidade de música. A ideia era me tornar um músico profissional, mas não permaneci um ano porque todos os alunos já tocavam muito bem um instrumento e estavam lá só para conseguir um diploma universitário. Eu ainda estava aprendendo.
Mesmo sem a faculdade eu comecei a tocar em uma banda de rock e logo depois já estava com minha própria banda ("Já dizia o poeta que o caminho se faz ao caminhar."). Montei uma lojinha de rock e um mini estúdio dentro da loja que eu já tinha. Meu cabelo já estava grande de novo e o meu corpo já estava com muitas outras tatuagens.
Nós tocávamos covers dos anos 70, mas também tínhamos músicas próprias cantadas em português. Eu escrevia as letras. Nossa banda tocou em vários bares de São Paulo e nossa música chegou a tocar numa famosa rádio de rock. Quando vi, estava com 35 anos e havia me tornado um rock star, no meu contexto; e do meu jeito. ("Plano posto em prática; frutos colhidos.")
Teria sido diferente se tivesse feito tudo isso mais jovem? Sim, com certeza. Talvez se eu não tivesse a maturidade dos 30 eu não teria competência de manter uma banda, entre outras coisas. Mas o que mais me incomoda hoje ao olhar para trás é uma certa melancolia em não ter tido essa experiência na adolescência. Sim, porque o Rock'n Roll guarda certa rebeldia e irresponsabilidade. Aos 35 eu já estava maduro e a rebeldia parece mais uma auto-piedade. Ao balançar a cabeça, parte da minha careca já aparecia nas fotos; não via graça em ficar bêbado e a dor nas costas não me largava.
Rock, na essência, é êxtase adolescente. E ser Rock star depois de velho não é tão Rock'n'Roll...
("Parece que há um momento certo pra se viver algo em toda a sua plenitude.").



